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quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Leningrado: 3 milhões de encurralados


    Durante 900 dias, de 1941 a 1943, Leningrado, uma das maiores cidades da União Soviética, ficou cercada pelas forças alemãs. Além de sofrer bombardeios constantes, suas estradas foram bloqueadas: nenhum caminhão de alimento, combustível ou matéria-prima podia entrar. Durante quase três anos,a população de Leningrado sofreu o mais terrível dos ataques: a fome. A alimentação diária era quase sempre um único pedaço de pão. As pessoas caíam de fraqueza e não se erguiam mais. No fim do cerco, dos 3 milhões de habitantes da cidade, 1 milhão havia morrido.

    Só havia dois remédios efetivos para mitigar a desoladora fome que Leningrado sofria desde o fim de outubro. Um era a evacuação do maior número possível de pessoas; o outro, a organização de uma positiva linha de suprimento que permitisse a entrada regular de alimentos, combustível e matérias-primas. As autoridades de Leningrado pensavam no aproveitamento do gelo do lago ládoga desde que seu completou o cerco terrestre da cidade, em 8 de setembro; o congelamento do lago deveria ocorrer em novembro ou em princípios de dezembro. Tudo, porém, dependia da intensidade da solidificação; para utiliza-lo como um caminho para veículos motorizados, era essencial que a camada de gelo tivesse, uniformemente, dois metros de espessura. Isto só seria possível rapidamente com uma temperatura nunca superior a 15 graus abaixo de zero.

    Em 17 de novembro, o gelo tinha apenas um metro de espessura, mas no dia 20 - quando as rações chegavam ao seu nível mais baixo - atingiu 1,8 m; mandou-se então que algumas carroças passassem pela superfície gelada, mas os cavalos estavam tão fracos que muitos morreram de colapso. Os cocheiros tinham instruções para cortá-los e trazê-los para a cidade como carne.

    Por fim, a 22 de novembro, o primeiro veículo motorizado aventurou-se a passar pela estrada; entretanto, o gelo ainda estava fino e os caminhões de duas toneladas só podiam levar cargas muito pequenas. Mesmo assim, muitos afundaram no gelo. No dia seguinte, utilizou-se o recurso de engatar trenós aos caminhões, pondo sobre aqueles a maior parte do peso, de modo a distribuir mais equitativamente a pressão sobre a superfície gelada. Entre 23 de novembro e 1º de dezembro, apenas 800 toneladas de farinha foram transportadas de vários modos, no curso do que do que se perderam uns quarenta caminhões, alguns afundando definitivamente com motorista e tudo. Os primeiros resultados da Estrada da Vida foram insignificantes. É preciso lembrar que, nessa época, Tikhvin continuava em poder dos alemães, e que os gêneros transportados nessa semana provinham dos magros estoques armazenados na parte sul do lago, antes da queda daquela cidade em 9 de novembro (...).

    De modos geral, nem em dezembro nem em janeiro se podia dizer que Estrada de Gelo estivesse funcionando satisfatoriamente (...).

    Também havia na Rússia uma grande escassez de material de embalagem e, em consequência, boa proporção dos gêneros conduzidos para Leningrado perdeu-se. Somente em fins de janeiro, ou melhor, a 10 de fevereiro, quando se aprontou a linha auxiliar Voibokalo-Kabona e depois de muito trabalho de reorganização, é que a Estrada da Vida, através do lago Ládoga, começou a funcionar como um relógio. A esse tempo numerosas estradas de rodagem tinham sido construídas no gelo e centenas de caminhões circulavam de um lado para outro, trazendo gêneros para Leningrado e levando milhares de habitantes, quase todos semimortos de fome.

                      (Alexander Werth. A Rússia na Guerra; 1941-1945. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966, v. 1, p. 366-9)



   



   










Professora lecionando no exterior de uma escola em ruínas, em Leningrado. Esta foto, bastante divulgada, tentava passar a ideia de que a vida continuava normalmente nas cidades russas atingidas pelos alemães.